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Laboratório vinculado ao Curso de Química e ao Programa de Pós-Graduação em Genética e Toxicologia Aplicada (PPGGTA) da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra)
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terça-feira, 18 de maio de 2010

O mistério das proteínas

Prêmio para autor de estudos sobre origem de doenças neurodegenerativas e câncer

Costuma-se dizer que somos feitos de água. Não está errado, mas o corpo humano é também um conjunto altamente organizado de proteínas e outras moléculas.

Quando alguma coisa não vai bem com as proteínas, a saúde sofre. Erros na estrutura de proteínas - na forma como se dobram dentro das células - estão ligados a doenças como câncer, a forma humana do mal da vaca louca e os males de Parkinson e Alzheimer.

Um dos maiores especialistas no estudo da estrutura de proteínas, o professor titular do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ Jerson Lima Silva acaba de ganhar um dos mais importante prêmios da ciência brasileira, o Conrado Wessel, na categoria Ciência Geral, justamente por pesquisas que estão na base do conhecimento para lutar contra males hoje sem cura.

Aos 50 anos, Jerson, também diretor científico da Faperj e membro da diretoria da Academia Brasileira de Ciências, é um dos mais jovens ganhadores de um prêmio desta importância. Médico de formação, ele já publicou 135 estudos em revistas científicas de alto impacto, formou 27 doutores e é um incentivador do ensino da ciência para os jovens. A seguir, Jerson Lima Silva explica como essa linha de pesquisa pode transformar a medicina e destaca a importância da chamada ciência básica para a melhoria da qualidade de vida e o desenvolvimento país.

Doenças do sistema nervoso: "Estudamos proteínas envolvidas em doenças neurodegenerativas e câncer. Com o aumento da expectativa de vida mundial, a incidência dessas doenças cresceu muito, causando grande impacto nos sistemas de saúde, especialmente em países em desenvolvimento, como o Brasil. Doenças neurodegenerativas, como Alzheimer, Parkinson, esclerose amiotrófica lateral e doenças priônicas (forma humana do mal da vaca louca) fazem parte de um grupo de patologias causadas pelo dobramento errado de proteínas. Esse dobramento gera formas tóxicas que afetam as células do cérebro. Essas doenças hoje só têm tratamento paliativo e a indústria farmacêutica ainda aguarda que os cientistas de universidades e centros de pesquisa identifiquem os alvos-chaves para o uso de medicamentos."

Envelhecimento: "De fato todas essas doenças são mais comuns no idoso, tanto pelo efeito cumulativo (formação e acúmulo de placas de proteínas defeituosas), que é lento, como pela dificuldade progressiva das células do idoso de usar os mecanismos de reparo ou de degradação das proteínas mal enoveladas."

Câncer: "Eu e meu grupo também estudamos uma proteína chamada p53. A forma defeituosa da p53 tem relação com cerca de 50% dos casos de câncer, hoje a segunda causa de morte no mundo. Essa proteína controla o ciclo celular e, em condições normais, faz com que as células saibam quando parar de se replicar. O câncer se caracteriza pela proliferação descontrolada das células, que afeta órgãos e tecidos.

Quando a p53 sofre defeitos que a fazem 'se enovelar errado' dentro das células, ela perde a função e abre caminho para o desenvolvimento do câncer. Investigamos a causa dessa conformação errada. Um dos desdobramentos da pesquisa é no diagnóstico, para identificar casos com mau prognóstico.

O outro é desenvolver terapias para restaurar a proteína p53 mutante e interromper o processo da doença, com efeitos diretos sobre as metástases. Procuramos moléculas que restaurem a p53. Trabalhamos ainda com outras proteínas ligadas a cânceres, como BCR-abl (leucemia mieloide crônica), Smac/DIABLO e IAPs, ambas importantes no processo de morte celular. Eu coordeno duas redes de estudo de genômica e proteômica estrutural em câncer de mama."

Mal da vaca louca: "Uma das descobertas mais importantes do grupo que eu coordeno é ter mostrado que os prions, proteínas alteradas que causam encefalopatias popularmente conhecidas como doenças da vaca louca, precisam de ácidos nucleicos (provavelmente RNA) para se propagar. Mudamos o paradigma sobre essas doenças."

Instrumentos de trabalho: "Utilizamos um arsenal de ferramentas espectroscópicas, tais como fluorescência e ressonância magnética nuclear (RMN) associadas a técnicas de biologia molecular e celular. Nosso objeto de estudo são processos complexos que acontecem dentro das células."

Excesso fatal: "As proteínas associadas a doenças neurodegenerativas são misteriosas. Na maioria das vezes sequer se conhece sua função normal. Mas sabemos que quando se dobram ou enovelam errado dentro das células, elas geram agregados que as fazem perder a função. A célula morre porque a proteína não só não funciona quanto ainda forma agregados tóxicos, particularmente nocivos aos tecidos do sistema nervoso. Até o momento, foram identificadas cerca de 40 doenças causadas por esses agregados."

Pesquisa básica: "Como pesquisador e diretor científico da Faperj considero a área básica a galinha dos ovos de ouro do desenvolvimento tecnológico, industrial e social de qualquer país. Felizmente o Brasil fez uma aposta em apoiar a pesquisa básica, o que resultou em um aumento da produção de artigo científicos publicados em periódicos indexados de cerca de 10 vezes nos últimos 20 anos. Além do conhecimento gerado, temos formado mais de 10 mil doutores por ano, que estão sendo fixados não só pelas universidades e centros de pesquisa, como também pelo setor empresarial.

Hoje a fronteira entre pesquisa básica e aplicada está cada vez mais indistinguível . Quando eu comecei meus estudos sobre a conformação protéica há mais de 25 anos, poderia se dizer que meu trabalho era puramente básico. Agora se sabe que conhecer os princípios responsáveis pela correta aquisição da estrutura de uma proteína parece ser o único caminho para impedir ou tratar dezenas de doenças."

Jovens: "A receita para ter jovens interessados em ciência é oferecer educação de melhor qualidade. Também é importante começar o mais cedo possível, de preferência antes de a criança ir para a escola, quando a família representa um papel crucial. Por isso, a TV, a internet, o museu, o jornal e outros meios de comunicação têm fundamental importância em divulgar informação científica de qualidade a todo o país."

(Ana Lucia Azevedo) (O Globo, 16/5)